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É preciso caráter! Entrevista com Enrique Peñalosa (parte 1)

setembro 4, 2009

Foto cortesia do ITDP via Wikipedia

Foto cortesia do ITDP via Wikipedia

Fiz essa entrevista com Enrique Peñalosa para uma edição especial de uma revista, mas ela acabou não saindo (a entrevista. A revista eu aviso assim que for pra rua). No fim é bom: fica tudinho aqui pro blog. Foram 10 perguntas, das quais as 5 primeiras seguem logo abaixo. Confira!

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Enrique Peñalosa foi prefeito de Bogotá, na Colômbia, entre 1998 e 2001. Nesse período, cortou vagas no centro, construiu ciclovias, reformou calçadas e revolucionou o transporte público da cidade com o Transmilênio, corredores de ônibus rápidos que faz as vezes do metrô. Com isso, mudou a cara da capital do país, trazendo qualidade de vida para a população e atraindo os olhares de todo o mundo. Fizemos 5 perguntas sobre o futuro das cidades. Confira o que ele tem a dizer.

No Século XXI, 19 cidades terão mais de 20 milhões de habitantes. Como elas serão?

Pessoas não vivem em supercidades: elas vivem em bairros, setores das cidades. Supercidades podem ter bairros com parques, calçadas largas, bulevares exclusivos para bicicletas e pedestres, quadras de esportes, árvores. Mesmo nas cidades gigantes mais da metade das pessoas estuda ou trabalha a menos de 5 quilômetros de casa. A questão não é se a cidade é ou não gigante, mas se ela é bem construída.

Por que deveríamos investir em ônibus ao invés de metrô, como você fez em Bogotá com o Transmilênio?

A única maneira de resolver a mobilidade é com sistemas como o Transmilenio. Não é a melhor, é a única. Até hoje nenhuma cidade em país em desenvolvimento foi capaz de transportar mais de 15% da população por trilhos. O custo de investimento e operação é muito alto por passageiro, e fica maior a cada nova linha, já que chega a lugares com menor demanda.

Eficiência no transporte público X privado

Qual a importância das bicicletas para as cidades?

Políticas de promoção para o uso de bicicletas estão sendo implantadas nas principais cidades do mundo. No centro de Londres, qualquer viagem com menos de 5 quilômetros de distância é mais rápida de bike do que por qualquer outro meio. Além disso, uma ciclovia protegida mostra que um cidadão em uma bicicleta de R$ 100,00 é tão importante quanto outro em um carro de R$ 100.000,00.

É preciso restringir o uso do carro nos centros das cidades ou um sistema de transporte público conveniente é suficiente?

Vamos esclarecer uma coisa: o transporte público irá resolver o problema da mobilidade, mas não os congestionamentos. A única maneira de solucioná-lo é restringir o uso do carro, cortando vagas nas ruas e criando calçadas mais largas, ciclovias, corredores de ônibus. Estacionamento não é um direito constitucional em lugar algum; é uma questão privada que deveria ser resolvida em espaços privados, com fundos privados. Estou certo de que no futuro, todos os países e cidades irão implantar esquemas para tarifar o uso do carro e a renda resultante deve ser utilizada para melhorar o transporte público.

Como implantar políticas públicas polêmicas, como o pedágio urbano ou o fechamento de ruas para o tráfego motorizado?

Primeiro é preciso uma visão clara de como a cidade deve ser, e um entendimento técnico da futilidade de tentar eliminar o tráfego construindo mais vias. Também é necessário explicar os enormes custos sociais gerados pelo uso de automóveis e os benefícios proporcionados à sociedade por ciclistas e usuários de transporte público. E, então, é preciso caráter.

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Assista também ao vídeo do Streetfilms sobre a Ciclovia em Bogotá.

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Editado: postei na correria e esqueci de agradecer a Verônica Mambrini, a Jeanne Callegari e o João Guilherme Lacerda pela ajuda nessa entrevista. Valeu!

11 comentários

  1. Parabéns por essa entrevista exclusiva!

    Seria tão bom que apenas um, somente um político aqui de SP pensasse dessa maneira.

    “e um entendimento técnico da futilidade de tentar eliminar o tráfego construindo mais vias”

    Ouviu MotoSerra?


  2. Qdo teremos politicos assim no Brasil?
    Como já disse a Serena: é preciso coragem e visão! Coisa que nao se ve por aqui… 😦


  3. Importantíssimo o ponto tocado na quarta pergunta. Aqui em Brasília já existe uma “revolta popular” exigindo o “direito” a mais vagas de estacionamento. Isso não é obrigação do Estado, embora seja, sim, sua responsabilidade, sua competência gerir a questão. E um governante corajoso diria simplesmente que, diante de outros desafios relativos ao transporte público na cidade, essa é uma questão menor. O difícil é achar esse governante. No Plano Piloto de Brasília, com suas grandes avenidas, qualquer deslocamento de 2km ou 3km se tornou um suplício devido ao sistema baseado exclusivamente no automóvel particular individual.


  4. Ótima entrevista, parabéns. Quanto ao estacionamento, é muito comum os donos de automóvel reclamarem que “não tem onde estacionar” e a prefeitura tem de prover mais vagas, o que é um completo absurdo. Mesmo quando eu dirigia e podia ser considerado “carrodependente”, via o custo de pagar um estacionamento como ônus pela opção de usar o carro. O problema de encontrar lugar para estacionar, ou pagar os tubos por um estacionamento particular, era meu e não dos outros.


  5. […] bem, a única maneira de resolver o problema do trânsito nas cidades é por meio de investimentos em alternativas aos automóveis (movidos a combustão interna, híbridos, elétricos, Mr. Fusion ou antimatéria, […]


  6. Excelente entrevista. Um técnico com brilhante visão de metrópoles modernas, sem o ranso político que estamos acostumados a ver neste Brasil.
    Como morador de São Paulo, concordo plenamente com o Sr. Penãlosa, quando conclama para a melhoria de corredores viários, restrição de carros particulares e melhoria de transporte de superfície ( ônibus, trens, etc). A municipalidade não tem obrigação de oferecer estacionamento para todos os carros, mas também não deve beneficiar o comércio local com permissão de estacionamento em ruas próximas (AFUNILANDO O FLUXO DE TODOS OS VEÍCULOS), não deveria estimular a proliferação da cobrança de MULTAS e a disseminação de ruas com as “zonas azuis”, ou seja querem sempre arrecadar mais e BENEFICIAR POLÍTICA LOCAL. Desta forma não conseguir nos mobilizar a lugar nenhum, nem de bicicleta.


  7. […] colocar aqui a segunda parte da entrevista com Enrique Peñalosa. Se você perdeu a primeira, leia aqui. Apareça hoje na Bicicletada do Dia Mundial Sem […]


  8. Excelente entrevista. Estamos preparando em nome da Escola de Gestão Pública (www.portalegp.adm.br) o projeto de educação no transito e gestão municipal e a matéria servirá como incentivo.


  9. […] Culpe o automóvel. Carros elétricos são o futuro?Vocês têm relógio, nós temos tempo É preciso caráter! Entrevista com Enrique Peñalosa (parte 1) Se houver mais espaço para os carros, haverá mais carros – Peñalosa (parte 2) Infra-estrutura […]


  10. […] (ou alcaides): Antanas Mockus e Enrique Peñalosa (confira a entrevista que eu fiz com ele aqui e aqui) e, em cerca de 6 anos, a cidade mudou […]


  11. […] boa entrevista com Enrique Peñalosa, no site Quintal: Parte 1: “É preciso caráter” Parte 2: “Se houver mais espaço para carros, haverá mais […]



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