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Experiência de quase-morte

maio 15, 2009

Foto cortesia de BikePortland.org via Flickr

Foto cortesia de BikePortland.org via Flickr

Daí que eu sofri um acidente – que não foi acidente. Quinta-feira passada (7/5)  eu estava, como muitas vezes faço, pedalando pro trabalho e um ônibus aconteceu. Eu estava subindo minha rua, cerca de 3 quarteirões do meu prédio, quando um ônibus tira uma fina e pára no ponto 3 metros na minha frente. Ultrapassei rapidamente e, vejam só, não disse nada. Resolvi que não queria me irritar neste dia, já que estava voltando a ter prazer nas minhas pedaladas diárias. Acelerei porque sabia que a rua ficava estreita logo à frente e se eu passasse logo, tomando o espaço, corria menos risco. Ledo engano. Trinta segundos depois o motorista já chega buzinando e, quando eu virei para ver onde ele estava e como estava se comportando, ele já bateu atrás da bicicleta. Caí para a direita e rolei, vendo a bicicleta quase (ainda bem) ser esmagada pela roda dianteira.

Acredito que o motorista tenha tentado me ultrapassar mesmo sabendo que não havia espaço (eu ocupei a rua justamente porque sei que naquele trecho de menos de 100 metros é impossível dividir a via com outro veículo). Acredito que ele estava mais preocupado com o carro estacionado à esquerda do que com minha posição e por isso bateu em mim.

Mas eu podia ter morrido.

Graças a Deus estou bem – e a bicicleta, embora ainda não esteja andando, vai ficar ok também. Isso tudo me fez pensar muito nas coisas. Mas a coisa vai longe e um só post não vai dar pra cobrir tudo. Então neste eu falarei dos motivos pelos quais aquilo aconteceu e no próximo minhas reflexões sobre o assunto.

A via é estreita

E possui carros estacionados em ambos os lados. Vou tirar fotos, até para usar como prova, mas basicamente, com os veículos parados, mal passa um ônibus. Não bastasse, as calçadas são estreitas e, em alguns pontos, tem menos de 50 centímetros de largura. Além disso, os prédios da região fazem da calçada pública sua área privada, e colocam escadas, cercas, rampas e, pasmem, uma mureta para proteger sabe-se lá o quê. Para mim, é pra derrubar pedestre desavisado (novamente, fotos estarão aqui ainda neste fim de semana).

O motorista é mal treinado

Esse motorista está todo dia estressado no trânsito de uma cidade que só dá ênfase ao transporte motorizado individual. Ele também é mal pago e mal treinado. Para ele, um ciclista é um obstáculo, não um ser humano. Nem passa pela cabeça dele que eu sou filho de alguém ou pai de outro alguém (coisa que ainda não sou, mas um dia espero ser). Sequer sou um ser humano. Sou um objeto que atrapalha o caminho dele. Ele me ameaçou com a buzina, o que me fez olhar para trás para entender o que estava acontecendo. Não foi uma buzina de aviso – como se um mamute de oito toneladas precisasse avisar ao ciclista que estava tentando ultrapassar. Ele buzinou com vontade e, arrisco, ódio. E depois ele ainda mentiu, dizendo que eu perdi o controle e por isso ele bateu. Sou um ciclista experiente, não é olhar para trás que vai me fazer perder o controle.

A lei não é cobrada

Existem muitas leis que protegem o ciclista. Obviamente, elas não são respeitadas e ninguém é punido. Fosse, não haveria quase nenhum risco. O motorista desse ônibus não poderia de maneira alguma tentar me ultrapassar ali. Não havia segurança e muito menos a distância lateral MÍNIMA de 1,5 m, de acordo com o código de trânsito. Se tivesse esperado com alguma paciência – menos de 1 minuto – estaríamos em um ponto em que a via se alarga e permite a ultrapassagem com segurança.

No trânsito, o outro é o inimigo

Quando você pega o elevador no seu prédio, segura para que outra pessoa entre. Quando entra ou sai de um comércio, cede a passagema para o outro. Mas quando estamos em trânsito, seja metrô, moto ou carro, só vemos inimigos, obstáculos. O carro desumaniza. E eu, para aquele motorista, não era um ser humano.

A mídia não ajuda. Ao reportar um acidente de trânsito (coisa que é discutível. Geralmente há imperícia ou negligência envolvidas, portanto um crime ou incidente, não um acidente), ela dá ênfase aos congestionamentos causados, o que só colabora para a idéia de que todos na via são obstáculos.

O Secretário dos Transportes, Presidente da SPtrans e da CET e Secretário de Obras e Serviços são a mesma pessoa.

E acredita que o fluxo de carros é mais importante que a vida. É, o senhor Alexandre de Moraes é um cara realmente poderoso e, num evento chamado “Circulação e Trânsito” e realizado no dia 31 de março, disse a seguinte frase, de acordo com o pessoal do EcoUrbana:

Há medidas para ampliar a segurança, mas não implantamos pois prejudicam o trânsito.

Sem falar no que ele disse na entrevista à revista Veja:

Acidentes com vítima causam muita lentidão. Quando a pessoa morre, demora para a pista ser liberada. Tem de esperar a perícia chegar, e às vezes isso para todo o trânsito. O impacto de um acidente com morte é o mesmo de um veículo quebrado.

Isso demonstra a preocupação principal da pessoa que, sozinha, define os rumos da mobilidade urbana e da segurança de 12 milhões de pessoas nessa cidade. Só mais um detalhe: ele já foi presidente da ex-Febem. E todo mundo sabe como esse “problema” foi resolvido, não é?

Para terminar, um exemplo de campanha simples de conscientização, mas que tenta suscitar um novo tipo de pensamento sobre as interações no trânsito. Dica, também, o Willian Cruz.

Em tempo, um vídeo (em inglês), sobre um ciclista que grava todas as finas que leva no trânsito. Dica do Joel Pinheiro, via lista da Bicicletada.

13 comentários

  1. Vitor, sua perseverança nesse caso pode fazer diferença, pois, dessa vez “eles” pegaram alguém que sabe usar as ferramentas e fazer barulho. De tudo me alegra saber que você está bem e pode relatar sobre tudo que te aconteceu, é a palavra forte da vítima viva, o que nossa amiga Márcia não conseguiu em favor dela.

    Força e sorte

    Màrcio Campos


  2. Valeu Márcio. Você tem razão, nessas horas é preciso lembrar dos que nada puderam falar.
    Ab


  3. É meio chato dizer isso, mas optei pela direção defensiva, hoje paro e deixo o ônibus passar. O lado positivo é que no final do dia terei o abraço de meu filho em casa. Boa sorte e parabéns pelo trabalho no Quintal!


  4. Que sustão!!

    Aqui na minha cidade tem ciclovia somente na orla marítima e todo o resto da cidade é complicado para andar de bicicleta, uma pena!

    Algumas cidades poderiam desenvolver mais esse tipo de transporte, afinal, é ecologicamente correto e saudável.

    No Canadá e Holanda existem postos de aluguel de bicicletas, mas é outra mentalidade. Aqui os motoristas das quatro rodas se acham donos da estrada, tanto que vira e mexe tem algum ciclista ou motoqueiro refastelado no chão.

    E quando for andar de bicicleta, além de tomar conta da sua via, tem que tomar conta da via dos outros e ainda ser precavido contra essas imprudências alheias.

    Então, acredita em anjo da guarda? 😉 Beijus


  5. Cara, ainda bem que não foi nada grave. O negócio é procurar vias menos movimentadas enquanto os motoristas continuam desrespeitando os ciclistas. Abraço e se cuida!


  6. Tá, talvez eu não tenha entendido a sua história direito (obviamente eu não sei dos detalhes como quem estava lá), mas pelo relato parece que o sexto motivo que pode ter contribuído foi você entrar na pista sem olhar antes, não?


  7. Dimitri, você se engana. Eu já estava na pista, antes mesmo do ônibus chegar. Olhei para trás pq ele buzinou acintosamente, atrás de mim.


  8. Bem, eu tinha entendido errado mesmo. Entendi que você tinha desviado do ônibus parado e outro te pegou por trás.


  9. […] alertá-los para o perigo que eles podem representar para os ciclistas (como no caso do Vitor, que sofreu um acidente há pouco tempo), e foi seguido de uma pedalada em volta do Parque do […]


  10. […] acompanha o blog sabe do meu “acidente” e sobre a carta aberta que escrevi para Alexandre de Moraes e Eduardo Jorge. Ainda estou […]


  11. […] eu falei aqui, resolvi escrever dois posts sobre meu encontro com o ônibus da viação Tranppass.  Já se vão […]


  12. […] Experiência de quase-morte. […]


  13. Cara já passei 2 vezes por atropelamento sei bem como é!

    Alias roubei esse video pro meu blog espero que não se importe! E… coloquei um link para o seu Abs



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